Cá estou eu no ponto mais alto do castelo, cronista de trapézio, equilibrista de paisagens, ágil acrobata aos saltos pela história.
Fixo o olhar no
horizonte que se dissolve entre o castanho da terra e o infinito azulado do
céu. Respiro o silêncio, o aroma das estevas, o sabor da terra neste poema de
pedra que dá pelo nome de Monsaraz.
Da torre de menagem,
lugar sublime, altaneiro, avisto ao longe, lá para os lados do Outeiro, um
menir que se ergue erecto a (emprenhar o infinito). No nascente, antigos
baldios da machoa, surge Azovel e seus guerreiros Almorávidas montados em
corcéis árabes prontos a tomar o burgo. Nos jardins passeia-se Alandra formosa
e sedutora. Mais à frente e eis D. Nuno, ajoelhado em oração, no sítio onde se
haveria de erguer alguns séculos depois o convento da Orada com seus Agostinhos
descalços. Cerro os olhos, abro os olhos e à minha frente surge o juiz de fora,
autoritário, indicando o monte da forca ao condenado por heresias. Se escutar
com mais atenção quase consigo ouvir as vozes de mando dos antigos alcaides. D.
Tomaz Gomes Martins, D. João de Aboim, D. Martins Botelho e outros cujos passos
ressoam na mesma calçada romana, disposta em cutelo, onde agora passeamos.
Fecho os olhos. Outro
salto mágico. O Guadiana apertado com o garrote de Alqueva inchou, inchou
espreguiçou-se e descobriu novas margens. Deste parapeito vislumbra-se em toda
a sua plenitude a imensidão de um mar tranquilo, e onde antes era terra e suor,
palco de labores e lutas antigas com jornadas de sol a sol, perspectiva-se
neste momento, outro tempo, com os antigos manageiros e feitores transformados
em marujos e arrais e as velhas eiras onde se debulhava o trigo, em apetecíveis
marinas onde encalham os sonhos do futuro.
Pois é, tudo se
transforma. A água engoliu de vez a fábrica das celuloses e o autocarro azul
carregado de operários fabris com sonhos ao fim do mês, já não desce a encosta.
A aldeia da Luz afundou-se e só as recordações teimam em vir
ao de cima entristecendo quem lá viveu. Os eternos problemas do Alentejo ainda
persistem. A desertificação, o abandono, as gritantes assimetrias sociais, o
desemprego a atar as mãos de quem quer e merece trabalhar e muitas vezes é
convidado ou obrigado a encher o taleigo de desespero para partir de mal andar
rumo às Suíças ou às Américas.
Para lá destas
palavra, o sol ardente continuará a nascer e a esconder-se no poente das nossas
vidas, sempre com o Alentejo escrito na cal, sepultado na alma, repartido nas
açordas, festejado no cante que é só nosso e da humanidade.
CRÓNICAS DO ALTO DA VILA
Luís Filipe Marcão
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