À vista de Alqueva,
Com lembranças do Guadiana…
De
passagem ou destino procurado! Terras de Monsaraz, com recordações do Guadiana,
que ali já foi rio… agora caudal que engrossa águas de Alqueva.
Mudou
a paisagem, ganhou o Turismo. Mas a agricultura, anseio de Alentejo, tarda.
Alguns desacreditam se irá chegar, para além dos vinhedos e olivais.
Do Além Tejo só tenho meia da ascendência. A outra veio bem do Norte… Mas o vício andarilho de trabalho e lazer trouxe-me com frequência a estas terras. Às vezes só etapa de viagem até Olivença, Villanueva del Fresno, Mourão, Amareleja, Barrancos, Encinasola… Outras, em busca de paisagens, vistas e vinhos de Monsaraz e Reguengos.
Do Olival da Pega tenho memórias dos
anos 80, na companhia do então presidente de Câmara Vítor Martelo e do Arq.
João Rosado Correia em deambulações no âmbito de um programa da Antena 1, o Passeio das Virtudes. Mas havia de
voltar outras vezes quando fui responsável pelo Feira Franca, também do canal principal da rádio pública.
Como era diversa a vista dos horizontes
em redor das muralhas… Alqueva permanecia sonho adiado e ficava aquela imensa
visão de campos, pontuados aqui ou ali por uma ou outra aldeia e mais umas
quantas casas dispersas. O Castelo de Mourão, logo além… à distância de um
olhar, levantado do casario à volta.
Eram fins de tarde fruição de cores e
cheiros que não apetecia interromper até que o sol se fosse. Dos sons, quase só
recordo os pássaros a quebrarem silêncios. Uma calma que dava para ouvir os
próprios passos sobre antiga calçada de pedra e história.
Ir a Monsaraz era reencontrar
serenidade, viajar no tempo, sonhar-lhe outras vidas naqueles arcos e ruelas. E
parar aqui ao ali para um cumprimento feito aceno de cabeça e saudação de voz.
Obrigatória sempre a passagem pela
“holandesa das mantas” e a procura de um qualquer espaço com gente para dois
dedos de prosa.
Tenho para mim que, se o amanhecer podia
ser de deslumbramento, o ocaso era esmagador com a multiplicação das sombras e
o surgimento, ali ou mais além, das luminárias que pontuavam o horizonte e
ensinavam a ocupação do território à volta.
A primeira vez que por lá pernoitei tive
a felicidade de um espaço lindíssimo que me disseram pertencer à Universidade
de Évora. Até hoje mantenho-me agradecido por tal hospitalidade e deferência.
Ficaram gravadas as imagens das salas, das paredes, do pátio interior…
Haveria, anos depois, de experimentar o
rigor monástico do Convento da Orada. Guardo a visão das madeiras de altar na
recepção, os corredores transformados em galeria de arte, os quartos
acolhedores, de paredes grossíssimas e janelas comedidas para vislumbrar a luz
do Alentejo.
Não acompanhei a subida das águas
Como andei ocupado (distraído?) com
outras incursões pelo país - fora dos grandes centros, de Valença à ilha do
Corvo – não acompanhei a subida das águas da barragem nem a progressiva mutação
da paisagem que ela consigo arrastou. Imagine-se a surpresa quando, subindo a
Monsaraz, dei com aquele oceano de água em redor do velho burgo entre muralhas.
Agora com restaurantes e esplanada de
ver paisagem em camarote. E um branco de Monsaraz, sorvido devagar, enquanto
olhos e alma sugam vistas e horizontes. Tentando, das profundezas da memória,
retirar imagens que ajudassem a identificar o que à minha frente surgia: tão
diferente daquilo que era quando lá tinha estado de outras vezes.
Mas estranhei logo (ainda hoje estranho)
a falta de rostos para saudar e cumprimentar. Como se o milagre da
multiplicação da água tivesse o reverso da subtração da gente. Claro, ao
fim-de-semana, um corrupio de linguarejares bárbaros, de cliques de máquinas
fotográficas, de instrumentos dos mais diversos para fixar saudades em vídeo. Mas esses já não me dão a boas tardes nem ficam à espera que eu lhes responda…
Nostalgia? Não! Essa guardo-a toda para a
memória dos homens que me ganharam para o sonho e para a premência de Alqueva.
Lembro uma ida a Mourão, com um grupo de jornalistas meus convidados, e uma
paragem obrigatória(!) no Alquevinha. Para comunhão de um sonho de Alentejo que
aprendesse a arte e a tecnologia da água feitas fertilidade, riqueza,
crescimento e fixação das suas gentes. Sem precisar do enxurro das casinhas de
férias...
Por onde andarão agora esses sonhos de
agricultura com que me seduziram e apaixonaram? Não é que não goste de flutuar
águas de Alqueva. Bem pelo contrário! Mas fica-me um amargo sabor a pouco.
E os meus pensamentos quase regressam ao
dia em que ia ficando atolado no meio do Guadiana, de Juromenha para Vila Real,
já nas bandas de Olivença. Eu sabia perfeitamente que a Renault 4 não tinha
virtudes de navegação, mas o caudal daquele Verão estava tão baixo que me deu
para arriscar. E cheguei ao lado de lá! A tempo de descobrir que o lugarejo
vivia de uma imensa exploração hortofrutícola. Semelhante a uma que havia do
lado português. Só que - a das nossas bandas, ao tempo - era de uns holandeses…
e a defronte era mesmo de espanhóis.
Fico por aqui. Já estou a reincidir nas
nostalgias da água!
CRÓNICAS DO ALTO DA VILA
Rui Dias José
Sem comentários:
Enviar um comentário