Monsaraz profetisa
Estou a ler um livro, neste
momento, que fala acerca da necessidade de preservar a nossa natureza selvagem.
– Fala deste aspecto como uma necessidade básica da nossa raiz, do nosso âmago,
da nossa espontaneidade, logo, do que é mais autêntico em nós.
Acontece que com o tempo essa
parcela, que é muito mais a capacidade de conseguir contemplar as bênçãos que
nos rodeiam do que um acto de violência (porque muitos compreendem ainda a
palavra selvagem pejorativamente), vai sendo substituída pelo relógio a bater a
hora antes da hora, pelo burburinho de fundo de uma cidade dita civilizada,
pela urgência que é chegar ao dia e fazer o dia chegar com tudo o que o dia
comporta e com tudo a que o dia nos obriga – sem que nos obrigue, um único momento,
a parar.
Estou a ler um livro que fala da
importância do contacto com a natureza. Do contacto, não só no seu sentido
metafórico, mas no seu sentido mais real: na sensação de tocar a rocha áspera e
quente em meio do Verão alentejano, em sentir a água brincar no peito do pé,
refrescante, em fechar os olhos e deixar o cabelo revoltear e dançar com o
vento. – Ser parte e não observante apenas. Ser, também, natureza. Selvagem.
Há uma vilazinha, pequena, mas
dita rainha a coroar um monte no meio de terriolas e águas extensas que me
recorda estas parcelas de que falava. Essa vilazinha, dizem, resplandece ao sol
do Verão e desaparece como que por magia nos dias nublados do Inverno – onde a
magia se esconde ainda mais. Onde a natureza toca o sublime e místico, rainha,
torna-se ainda mais deusa maga, profetisa da sabedoria das origens tornando o
mais natural dos fenómenos quase que numa porta para um outro mundo. Esse
mundo, apenas aqueles que ainda não visitaram essa vilazinha, não compreendem.
Todos os outros que a calcam ou já calcaram o carregam ao peito com orgulho e
saudades.
Falar de Monsaraz no momento que
Monsaraz vive, não é fácil, caro leitor. Partilhar o meu local de eleição para
voltar ao mais autêntico de mim, ao lado simples e “selvagem”, com pessoas que
ainda não lhe conhecem o poder de cura passou de um medo de incompreensão para
a esperança de que acabasse por ser tão embalada e respeitada como por mim o é.
– Porque Monsaraz tem realmente esse poder de cura: esse poder de nos obrigar a
parar, a esquecer a urgência e a viver a plena calma necessária para restaurar
a alma, para voltar a aceder á autenticidade e á espontaneidade do que é ser-se
pessoa simples no meio dos mistérios naturais.
A verdade é que é impossível ver
Monsaraz e não a levar no coração. É impossível não ser tocado pelos céus
negros onde fulgem ligeiros pontos prateados formando uma abóbada celestial tão
imensa que os nossos corpos começam a sentir-se pequenos, os nossos problemas
começam a assemelhar-se a formigas viajantes, os nossos olhos já comungam do
brilho da abóbada e naquele momento ficamos felizes por estar ali. Felizes
apenas por estar ali. Felizes por testemunhar a grandeza da simplicidade –
Porque é isso também que Monsaraz nos dá. A noção de que o simples tem uma beleza
própria. A raiz. Os campos. As mãos sujas dos homens que trabalham os campos e
voltam á raiz. E abraçam a raiz. – o início.
Crónicas do Alto da Vila, por Inês Valadas
01.09.2017
(Fotografia de António Caeiro)
(Fotografia de António Caeiro)
2 comentários:
--No comentário anterior, só vejo ali um merda e não é Portugal, para bom entendedor meia palavra basta...
Tenho dito ...
Parabéns Inês Valadas pela Crónica...
R.G.D.
Os meus parabéns, à Cronista Inês Valadas, pela Crónica bonita e bem elucidativa com que nos brindou. Faço votos para que continue a escrever e a dar-nos a conhecer a sua excelente região. Boa tarde. Bom domingo. Grande abraço.
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